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Literatura outsider

Franciorlis ViannZa

16 de nov. de 2022

Que falta faz um sistema de circulação de obras e autores!

#OuZeSaber!


No mês de setembro, estive no município de Parauapebas, por ocasião do 2ª Baile dos Artistas, realizado no aconchegante espaço “Realce Eventos”, em evento coordenado pela Academia Parauapebense de Letras (APL), presidida pela escritora Terezinha Guimarães.



Lá, encontrei com o poeta Charles Trocate. Horas antes, adquirira seu livro “1993”, e, ao ler de forma aleatória, fiquei instigado com estes versos: “É tão difícil dormir/com serpente nos olhos”, do poema “Casa das Árvores”. Enquanto conversávamos – em roda de amigos, no salão –, meditei sobre quantas dessas “serpentes” têm inquietado o sono dos nossos produtores culturais, como o Trocate; um poeta com obra reconhecida no Sul e Sudeste paraense (e até fora do Pará), mas invisível e excluído pela hegemonia dos grandes centros econômicos. Comuniquei-lhe que para ter seu livro em mãos tive que viajar cerca de 767 quilômetros. De outra forma, sua produção não teria chegado fácil ao meu acervo.



Que falta faz um sistema de circulação de obras e autores! Sem uma política pública séria que promova um “encurtamento de distâncias” entre as produções culturais do estado, os muitos “Trocates” do interior serão sempre vistos como “outsiders” pelos “estabelecidos” de regiões como a minha: a metropolitana.






Para esta literatura “outsider” (termo que empresto de Norbert Elias e John L. Scotson, com a conotação de "fora do sistema"), o caminho é de piçarra, de pedras, de sol, de pouca água, de sobras, de esperanças fraturadas, de voz sem escutas.



Mas ninguém se engane! Os escritores dessa "literatura outsider", do produto literário “made in interior”, não se permitem estagnar. Reinventam-se, utilizam estratégias, fundam academias de letras, clubes de leituras, sebos, provocam Prefeituras e Secretarias de Cultura para a realização de ações literárias, saltam o muro da solidão da escrita, e mobilizam a sociedade em geral (leitores críticos, empíricos, e até os pouco afeitos à leitura) para abraçar iniciativas que visam despertar a população para a importância do livro.



Exemplo disso é o citado Baile dos Artistas, que movimentou um público animado com a produção local, disposto a festejar junto com os trabalhadores culturais de Parauapebas mais um ano de dores e glórias.







Você deve estar se perguntado o que este colunista, caroço de tucumã da região nordeste do Pará, fazia entre os parauapebenses.



A Academia Parauabepense de Letras me enobreceu com a entrega de troféu de Honra ao Mérito, por contribuição com o desenvolvimento cultural de Parauapebas.



Entendo que o gesto da APL é resultado de uma semeadura realizada por muitos artistas paraenses. O que eles (nós) têm (temos) semeado? A aproximação entre os “outsiders”. Atitude legítima, motivada pela certeza que o interior tem uma força incrível, necessita apenas ter maior coesão entre os produtores culturais. Trocando em miúdos: é preciso entender que as barricadas são multiculturais e pluripolíticas, mas a luta é uma só: pela democratização de recursos e pela paridade de investimento no cenário cultural de todos os nossos rincões. Recorro ainda ao texto do Trocate:



Para não contentar-me com a cena do
[do espetáculo
Sou só por ser pascer na cuca
[dos ignorados



Além do Baile dos Artistas, da noite de gala, da organização primorosa do evento, por parte da competente e elegante Terezinha Guimarães, das apresentações musicais, trouxe na memória uma imagem forte, e com ela encerro nossa conversa de hoje.






Na passagem por Marabá, avistei ao longe a movimentação do comboio da empresa Vale, uma verdadeira “serpente” com centenas de vagões, todos abarrotados de minério. Do ponto em que avistei até a aproximação, consumi de 10 a 15 minutos de deslocamento. Passei embaixo da ponte de trilhos; sob o ventre da surucucu de ferro.



Diante da visão daquele Colosso de exploração, só consegui imaginar as crateras que ficarão depois que o recurso mineral se esgotar.



Concordo, Trocate: é impossível dormir deste jeito. Os perigos na Amazônia nos deixam insones, de coração alerta e palavras desembainhadas.


 

Franciorlis ViannZa, periodicamente, vai abordar temas pertinentes do cenário literário e cultural de nossa região.

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