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Olga Savary: uma mulher entre livros e lembranças


Olga Savary - Imagem: internet.

A voz que habitava o apartamento 604, no número 161 da Rua Sá Ferreira, em Copacabana, Rio de Janeiro (RJ), emudeceu. O telefone (021) 2287-6539 também. Era lá, no seu canto de mundo – em um local cheio de histórias e mitologia, e que em 2020 acabou sendo um dos bairros com grande índice de mortalidade, devido ao Coronavírus, conforme balanço da prefeitura da cidade em 16 de maio – que Olga Savary (1933-2020) criava seus poemas, contos, fazia traduções, escrevia artigos.




Estive lá com a poeta há quase uma década, acompanhado da minha mulher, Gleice Garcia, e da minha sogra Marilene Corrêa, que à época morava em Itaboraí (RJ). Tinha o endereço que – todos que se corresponderam com Olga sabem disso – ela mandava sempre anotado na folha de rosto dos livros, na parte de baixo. Tinha o telefone também. Tentei falar com ela no dia anterior. Não consegui. O plano era conhecer o Rio de Janeiro, turistar um pouco. Levei o endereço no bolso. Rodávamos pelo centro quando tive a ideia. Fomos arriscar. Após esperarmos um pouco na calçada defronte o antigo prédio, a poeta nos recebeu em seu “bunker”.




Olga Savary, em seu apartamento, era uma mulher cercada de livros, jornais e lembranças por todos os lados. Após a entrada, logo a seguir da sala vinha um quarto que era quase um Museu Olga Savary: pilhas de jornais com páginas meticulosamente recortadas, ou exemplares de cadernos inteiros guardados com matérias escritas pela poeta ou que versavam sobre ela e sua vasta obra poética, além de livros que a poeta recebia o que foram escritos sobre ela. Todos cobertos por uma fina camada de poeira, como se sobre eles o tempo tivesse parado.



Olga Savary na XVII Feira Pan Amazônica do Livro / 2013 - Imagem: Luciana Medeiros.


Da pilha de livros, Olga Savary retirou dois, com os quais me presenteou, ambos de Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo: “A Voz das Águas – Uma Interpretação do Universo Poético de Olga Savary” (Edições Colibri, Lisboa, 1999) e “Olga Savary: Erotismo e Paixão” (Ateliê Editorial, 2009). Conversamos por um bom tempo, ela e minha sogra afinando um bom papo sobre artesanato, eu instigando-a falar sobre Poesia e Literatura. Saímos do apartamento da Sá Ferreira em Copacabana no limiar da tarde, isso porque Olga estava aflita para ir a uma agência dos Correios ali perto postar um original e concorrer a um edital de Literatura aberto, e também porque tínhamos de certa forma quebrado sua rotina diária – a poeta costumava escrever até tarde da noite e entrar pela madrugada, acordando tarde no dia seguinte Tínhamos chegado à sua casa pouco depois do meio-dia.




A rememoração desse encontro com Olga Savary, já tão distante no tempo, me fez despertar a lembrança de outro anterior. Era o final dos anos 90. Eu era editor do caderno de Cultura do extinto jornal “A Província do Pará”, e eventual repórter auto-pautado quando o assunto era Literatura. Foi na época que Olga foi homenageada pela Prefeitura Municipal de Belém, à época do aniversário da cidade. No meio de uma agenda corrida e tumultuada, eu a entrevistei no “Hotel Regente”, cuja vida encerrou-se recentemente em Belém, “furando” os demais jornais da cidade, com fotos produzidas por Advaldo “Passarinho” Nobre, e ainda fiz companhia a ela num jantar e depois assistimos a um concerto de violão de Salomão Habib, ainda tendo fôlego para, no final da noite, irmos a um bar da moda na época ouvir blues e jazz, que a poeta adorava.




Em 2001, quando a poeta paraense esteve de novo em Belém para o lançamento da antologia “Poesia do Grão-Pará” (Ed. Graphia e Prefeitura Municipal de Belém), a qual reuniu mais de 100 poetas, entre os quais este versejador com alguns poemas nos reencontramos de novo. Um ano depois, após lançar seu belo livro “Berço Esplêndido” (Palavra e Imagem, 2001), Olga me enviou um exemplar e escrevi uma resenha publicada em “O Liberal”.




É nessa obra que consta uma auto-definição da poeta, que inicialmente fala de suas raízes:


— Paraense-cearense-pernambucana assim me situaria geograficamente. Paraense de nascimento (em Belém), cearense (em Fortaleza, onde passei os melhores anos da infância), pernambucana por ter sido Recife a primeira cidade onde se localizou a família materna (os Nobre de Almeida, vindos de Portugal) e o primeiro chão brasileiro pisado por meu pai vindo da Europa – todas três as quais pertenço, por direito de raiz e amor.


Em seguida, Olga lembra dos laços com a Europa – França e Rússia (“Sem negar minha raiz russa, via pais e avós paternos – de Smolensk com ascendência francesa, daí o Savary (...)”, e reitera que, no livro, busca um retorno à sua geografia afetiva amazônica: “(...) neste ‘Berço Esplêndido’ (...) me desculpo e me desvelo com meu voraz coração russo-amazônico, cada vez mais verdadeiramente brasileiríssima”.


Olga Savary - Imagem: Luciana Medeiros.


Nessa auto-descrição, Olga liga seus laços familiares à linguagem poética que transcende nos seus livros:


— Via origem russa e a mais primeira origem brasileira com um pé no Oriente (Ásia) – daí os títulos em tupi, língua que era falada em nosso país junto com o português; daí as expressões de tanto sabor e colorido telúrico da minha terra, a exacerbada ligação com a natureza, com a água (...).


Essa era a poeta e cidadã Olga Savary, uma mulher entre livros, lembranças e muita Poesia, e que vai deixar saudade, muita saudade:




Caminho só pela casa
e o viajar na casa escura
faz soar meus passos mudos
como em floresta dormida.

(Pitúna-Ára)


Texto: Alfredo Guimarães Garcia

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