A injustiça praticada no Pará. Aquisições de livros por parte de órgãos públicos. Entre CNPJ e CPF
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A injustiça praticada no Pará. Aquisições de livros por parte de órgãos públicos. Entre CNPJ e CPF

Franciorlis ViannZa

19 de nov. de 2022

Não se deve esperar que os autores saibam dividir com igualdade um bolo de laranja; o bolo deve vir previamente dividido para que todos tenham sua fatia devida, sem rinhas.

#OuZeSaber!


Lúcio Flávio Pinto tem alimentado seu blogue, de título homônimo, com várias publicações sobre aquisições de livros efetuadas pela Fundação Cultural do Pará e SECULT. Os valores apontados pelo jornalista são de deixar o queixo caído. Sussurro para você, amigo leitor: são na casa dos milhões de reais. Lúcio informa o nome das empresas que se beneficiarão com a ação da Fundação. A última postagem traz um título bem irônico, “Livros a granel”, e é datada de 02 de dezembro de 2022.



O jornalista faz duras críticas ao fato de que as operações não disponibilizam informações pertinentes para a sociedade, como a quantidade de livros, títulos, autores, preços de capa e etc.



Faço coro às críticas do Lúcio. Tornar transparentes os processos de compras de livros por parte de órgãos estatais é uma necessidade para equilibrar a balança desregulada dos investimentos no setor do livro e leitura nos muitos Parás dentro do Pará. Historicamente, tais investimentos beneficiam portfólios de editoras e distribuidoras da capital, com acervos majoritários de CEPs de Belém. Duas informações: primeira, na ponta do processo, o acervo é composto de poucos autores (a rigor, de “renome”); segunda, é comum os mesmos autores se repetirem entre as editoras metropolitanas, isto significa que, em tese, um mesmo escritor pode lucrar mais de uma vez.



O autor selecionado pelas editoras e afins é um mercenário e crápula? Óbvio que não! Na mesma situação, eu aceitaria o negócio de cara. Livro é um produto simbólico e econômico. A distribuição isonômica de recursos públicos não é uma responsabilidade de autores, mas sim do Estado. Não se deve esperar que os autores saibam dividir com igualdade um bolo de laranja; o bolo deve vir previamente dividido para que todos tenham sua fatia devida, sem rinhas.





As aquisições de livros realizadas no formato de pregão, tomada de preços, licitação para editoras, são injustas com a realidade do cenário literário do Pará. Nesse ponto, tanto autores da capital quanto do interior sofrem, e o que os distancia é somente a geografia do exclusor. Um autor, por exemplo, de Afuá precisará pegar um navio para chegar ao centro da exclusão, enquanto para o escritor de Belém basta pegar um expresso Rio Guamá.



É injusto por qual motivo? Pelo simples fato de que em terras parauaras a maioria gritante dos autores se autopublicam e são, por definição de uso, independentes. Cada autor pega seu rico dinheirinho, procura uma editora ou gráfica, negocia em formato de “pacote fechado” e acabou, pega o livro e vira caixeiro viajante de sua própria produção. Assim sendo, a editora que o publicou não tem nenhum compromisso de, por ocasião de ser contemplada nesses pregões e tomadas de preço, inserir aquele livro no portfólio que se destinará a atender a demanda do órgão público, seja SECULT, seja FCP, seja qual for.



Passemos o tema a limpo: essas ações apontadas pelo Lúcio Flávio Pinto não injetam recursos públicos no bolso da maioria dos escritores paraenses. Por isso, faz-se sim urgente que tais aquisições discriminem livro, autor e preço de capa. Desta forma, haverá um controle social para garantir que autores dos mais distantes e diversos rincões, que não dispõem de acordos verbais ou contratuais com editoras, tenham a chance de ver suas obras circularem. 



Certa feita, participei de reunião online com representantes de bibliotecas municipais paraenses e a Fundação Cultural do Pará, e tive a chance de me posicionar sobre o tema. Igualmente fiz em Castanhal, durante visita de escuta pela Fundação - pelo fato de essas aquisições injustas continuarem a fluir, significa que o processo de escuta falhou na devolutiva.







Aproveito para pedir o apoio de Prefeitos, Secretários de Cultura e Educação, escritores e escritoras, para lutarem pela produção literária local. Rejeitem o recebimento de livros que não abranjam obras e autores da cidade, da região, do interior. Todas essas aquisições precisam ser distribuídas pelos municípios, para alegação de políticas aplicadas em todo o Pará— o velho marketing. Se os livros dessas compras forem devolvidos, mostraremos o que já sabemos: que o interior deixou de ser bobo há muito tempo.



É triste pedir que municípios devolvam livros. Mas me parece uma estratégia eficiente, que, a longo prazo, incrementará a economia do livro em nível estadual. Um protesto importante e que mudará a forma de relacionamento entre órgãos culturais da capital e o interior. Para esse processo de devolução, utilizem um critério: indaguem ao remente se há livros de autores locais entre os exemplares doados para a cidade. Pergunta singela e letal.



Para os órgãos públicos citados nesta coluna, articulem maneiras legais para vencer os obstáculos da aquisição direta do autor. Enquanto não houver compra por CPF, não se pode falar em projetos que desenvolvam a literatura paraense, uma vez que este estado é uma seara de trabalhadores que lutam sozinhos para tirar seus livros das gavetas.



Não sou contra a aquisição por via de CNPJ. Entendo que editoras, sebos, livrarias e distribuidoras são partícipes da economia do livro. Fazem jus ao incentivo público. Reforço, porém, que o cenário cultural paraense é de escritores e escritoras independentes.






“Finalmentes”, quando nossos gestores culturais discutirem verbas destinadas para aquisição de obras literárias, lembrem-se de contemplar dois eixos: CNPJ e CPF. Um bom exemplo exitoso é a parceria entre a SECULT e o SESC-PA para aplicação da Lei Aldir Blanc. O SESC efetuou compra de livros de livrarias, editoras e afins, e de autores, por intermédio de edital de ampla concorrência.



Mas, Z, as leis restringem compra direta de pessoa física, exigem emissão de nota fiscal, ou que sejam MEI! Ora, ora, senhores e senhoras! Quando há disposição política e interesse pelo bem comum, caminhos são encontrados ou abertos.



Mas para quem não deseja se mover do lugar nem mesmo cartografias de néon são suficientes para convencer a caminhar. 



Caminhemos. Vamos que bora logo.



 


Franciorlis ViannZa, periodicamente, vai abordar temas pertinentes do cenário literário e cultural de nossa região.

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