Com Paulo Roberto Ferreira (*)
Quatro amigos se reencontraram, esta semana, num restaurante da Estação das Docas. Um é artista plástico, o outro poeta, o terceiro professor universitário e o quarto, jornalista. Todos têm mais de 60 anos. Três tomaram chope e um bebeu água. Em meio a recordações e gargalhadas sobre episódios da vida recente, decidiram criar um grupo no WhatsApp que denominaram de Confraria do Açaí. As mensagens começaram a ser disparados ali mesmo, na mesa.
O poeta e o professor trabalharam na Folha do Norte nos anos 60 do século passado. O pintor, dono do celular mais turbinado, exibia suas obras na tela do seu aparelho para os outros três que, iguais a meninos, se curvavam para admirar os novos trabalhos, espalhados por várias galerias de arte. Os temas eram amplos. A crise institucional foi abordada e todos repudiaram as articulações para um golpe político.
O poeta mora há mais de 30 anos no Rio de Janeiro. Mas quando chega a Belém reúne a confraria. Dos quatro, três são autores de livros. E o pintor já produziu centenas de obras de arte. A paixão por Belém é sempre tema dos diálogos. Como também a ação dos gestores públicos que tratam com desleixo as belezas naturais da cidade. A morte do poeta Jamil Damous entrou na conversa. Jamil nasceu em Turiaçu, no Maranhão, mas foi em Belém que iniciou no jornalismo e na arte da poesia. Trabalhou no extinto Jornal A Província do Pará e também viveu mais de 30 anos no Rio de Janeiro.
O artista plástico e o poeta já moraram na mesma casa, anos atrás, no bairro de São Brás. E os compartimentos da residência eram tomados de figuras surrealistas, a fase predominante do pintor, naquela época. Nilson Chaves também chegou a morar com o poeta, no Rio de Janeiro, onde Jamil costumava frequentar. E foi ali que o jornalista, aproveitando a presença dos três, fez uma matéria polêmica sobre a música paraense, nos anos 1980. Publicada no jornal “Resistência”, as provocações mexeram com o músico e poeta Paulo André Barata, que respondeu aos seus críticos na edição seguinte. Acho que o tempo já apagou as mágoas.
O professor universitário, que é sociólogo e foi repórter do poderoso jornal de Paulo Maranhão, ainda escreve artigos semanais na mídia impressa. É o mais experiente de todos. Bebe cerveja que nem um adolescente e conserva o bom humor na mesa de bar. Mas, em casa, prefere tomar vinho. Sua angústia é arranjar lugar na biblioteca para acomodar os novos livros. Por isso mesmo, sempre arranja um jeito de doar alguns exemplares, num complicado exercício de desapego. Sim, porque cada obra tem uma história na vida da gente. E é sempre um sofrimento se despedir de uma sacola de livros que parte em direção a outra biblioteca.
Poeta, pintor e professor já percorreram o mundo. Conheceram várias cidades. Conservam lembranças de muitas coisas. Muitas histórias. Mas Belém é o porto de chegada e partida permanente. Para onde vão levam a “cidade das mangueiras”. Que serve de inspiração, como nas “janelas” do artista plástico. Ou os “olhos de rios” do poeta, que publicou em seu “Diário de Bordo” o poema “Olho de boto”, musicado por Nilson Chaves.
Amizades sólidas se fortalecem com o passar do tempo. O jornalista fica ali no meio daquelas feras, ouvindo histórias, contando piadas e recolhendo fragmentos de vivências das ilustres figuras, a fim de publicar numa crônica na Semana Santa. E se divertindo com as tiradas e irônicas brincadeiras de seus três amigos que integram a Confraria do Açaí: Geraldo Teixeira, Cristóvam Araújo e José Carneiro. Podem ficar tranquilos, meus caros parceiros de confraria, meu consumo de água não representa uma ameaça à Baía do Guajará, que ainda vai encantar muitas gerações.
(*) Paulo Roberto Ferreira é jornalista e escritor e colaborador deste espaço.
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